Sunday, February 19, 2006 

Da dança...

Da fusão do preto com o rubro da paixão. Com a mestria do pasó doble ouvi-te chegar com a paixão estampada nos olhos e o desejo tatuado no corpo. E de rubro te aproximas, sensual e envolvente, como se soubesses que sou teu. E eu olho-te nos olhos, altivo e desafiante, como se desconhecesse porque estavas ali.
A melodia escorre em gotas de suor banhando o chão que pisamos. Levantas a cabeça procurando o meu corpo. A minha mão encontra a tua e diminuímos a distância entre nós. Sentes o crescendo da intensidade com que te agarro contra mim? Com que mergulho no teu pescoço e te respiro ao ouvido, para logo em seguida te abandonar? Porque te abandono neste palco a rubi-negro tingido, insinuando-me a ti prostrada a meus pés enquanto te olho nos olhos.
E logo te levanto, trago-te a mim e conduzo-te sensualmente na sucessão rítmica do meu corpo, porque eu não sei estar sem ti. E tu segues-me nesta dança em que te entregas nas minhas mãos. Porque os meus passos são os teus passos e enquanto dois somos um só. O mesmo corpo. A mesma presença. Porque se nos subtraímos aos outros encontramo-nos cada vez mais um no outro.
Conduzo-te em passos largos que apenas tu consegues acompanhar. Somos sujeito e predicado do desejo e pedimos mais um do outro. Crescente intensidade da música que nos embala inebriados como se tudo fosse aqui e agora. É electrizante a tensão entre nós no permanente desafio de quem cai primeiro em tentação e beija o outro. Duas faces cada vez próximas que se reconhecem na geometria do sentir e do desafio.
A música está prestes a terminar, abandono-te no palco enquanto rodopias e eu aproximo-te de ti...sussurro no teu ouvido tudo o que tenho para te dizer e passeio os labios pela tua face. Lentamente com a certeza de quem conhece o destino, deposito na tua boca o beijo que só tu podes receber e retribuir.

Saturday, February 11, 2006 

Da (In)certeza...

Tudo o que ele tem para lhe dizer...hoje, amanhã ou quem sabe tarde demais:
"Soçobro perante as tuas certezas. Soçobro quando as tuas palavras me acariciam e me fazes sentir gostado. É dificil gostar de mim, sabias? Admiro a tua frontalidade desconcertante e eu jogo contigo o jogo da verdade. Aliás não podia ser de outra forma...pelo menos para mim.
Isto é tudo tão estranho...porque contigo dissipam-se as certezas e avolumam-se as dúvidas. Porque podes ser tu. Ou não. Porém nem eu nem tu somos detentores de certezas. Mas a tua incerteza faz-me sentir tão bem."
E tudo isto são apenas palavras, aquelas que antes se erguiam em recusas e hoje pertencem aos dois. Porque estas são as minhas palavras...para ti. Para ti que chegaste. Para ti, sacerdotisa do tempo e do sentir. Porque podes ser tu.

Wednesday, February 01, 2006 

Do corpo...

Chegava como se este espaço fosse seu, como se o conhecesse desde sempre. Afinal conhecia todas as portas desta casa. Conhecia o bater da chuva nas vidraças e os lugares onde o silêncio era insidioso e se fundia e escondia em vícios solitários.
Dirigia os seus passos à sala à procura do fogo que lhe alimentava o corpo e encontrava a lareira apagada. No lugar do fogo encontrava cinza e mesmo assim estendia as mãos para se aquecer. Acendia velas e incensos e no desencontro das sombras deixava-se enfeitiçar pelos aromas inebriantes do desejo. A sala já era sua, geometricamente sua, e não lhe bastou. Procurava mais dele. Sempre procurou mais…demais.
Aproximou-se das janelas e abriu-as de par em par para que ele visse a dança da lua. E como se ela se apropriasse das palavras, disse que o amor dele era como as fases da lua. E que só ele não percebia isso. Disse-lhe que ele foi quarto minguante de amor enquanto se subtraía à paixão e ele, desconcertado pela veracidade do que se negava a reconhecer, recusou segui-la pelo corredor.
Ela desafiava todas as defesas dele e aproximou-se passo a passo olhando-o nos olhos. Depositou na boca dele o sabor das suas palavras com o seu travo a canela e ele destilava a entrega gota a gota apenas por ela, enquanto o seu amor se erguia em lua nova do sentir. Ela concedeu-lhe a sua mão, convidando-o a conhecer novas fases da lua e ele seguiu-a sem olhar para trás. Foram quarto crescente de desejo e chegaram à derradeira divisão. O quarto. E ele sempre soube que ela acabaria por lá chegar
Cruzaram a porta e o tempo e o espaço foram eles. Nada mais que eles, dois corpos desnudados que se reconheciam em luas cheias de fogo e mar. Pertenciam-se mutuamente e naquele instante eram suor, beijos e prazer. O odor dos seus corpos fundia-se sempre que se entregavam à busca do outro e ambos sabiam que já tinham esperado tempo demais.
Ela aconchegou-se no peito dele e num murmúrio disse-lhe “o teu corpo é a tua casa e eu já entrei nela”. Ele afagou-lhe os cabelos, beijou-a lentamente e olhando-a nos olhos respondeu-lhe “Tu sempre pertenceste a este lugar”.

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