Thursday, September 29, 2005 

Da totalidade...

Resgata-me de tudo o que em mim aprisiona a minha vontade de sentir e me dilacera as veias por onde correm as vontades intrínsecas que pedem alforria. E sucedo-me em tempos distintos mesmo quando o hoje não é mais do que um ontem, quando as palavras são vazias e se diluem em mediocridades, mesmo quando me deparo com o mesmo Eu distónico que apenas parece fazer sentido na vida dos outros.
Não me bastam mais universos divididos e fragmentos de realizações, pois não tenho lugar para identidades parciais, agora só quero abraçar a totalidade e soçobrar perante as metamorfoses que me farão ressurgir renovado. Quero renunciar a sentimentos distorcidos e proclamar a legitimidade de tudo o que sinto. Não quero mais esculpir esperas e edificar muralhas, não quero mais amordaçar a liberdade nem deter as catarses que me aproximam de todos os lugares a que nunca acedi. Rejeito aparências e procuro o cerne de tudo o que acredito, pois há muito que me resignei a fronteiras e limites intrínsecos demasiado circunscritos a tudo aquilo que conheço.
Quero renunciar a mim e aceitar-me na plenitude de tudo o que sou, porém não sou senão o que sou para os outros.

Sunday, September 18, 2005 

Revelações obscuras...

Múltiplos focos de luz que se erguem. Trago em mim a emergência de tochas e de archotes colocados lado a lado e alimento as distâncias com lampiões incógnitos. E quando te despedes dos passos que me diriges, revisito o meu Olimpo pagão e revisto-me de uma luz intensa com o intuito de te deter. Então de todas as luzes congrego uma luz incandescente e emanam de mim chamas que repelem qualquer tentativa de aproximação tua. Porque enquanto houver luz sei que apenas conhecerás o que eu te permitir.
Pára de procurar. Não te aproximes mais. Pára de querer descobrir em mim o que eu não possuo. Não há amor em mim, não há esse amor em mim. Há muito que o abandonei. Porque neste jogo de luzes, tu não conheces senão aquilo que se revela em cúmplices ilusões e máscaras falaciosas de interiores.
Quando as luzes se apagam todas as minhas fragilidades são expostas, a tua falta grita-me por dentro e tu acabas por me procurar. Eu entrego-me a mais uma fuga desesperada e finjo não dar pela tua presença. Deixas que os olhos se habituem à escuridão que há em mim e percorres o meu rosto com a mão, como se me desvendasses os segredos pelo toque. E não há amor em mim.

Monday, September 12, 2005 

Daquilo que somos feitos...

Porque no fundo compreendi Blimunda Sete-Luas e o seu dom sobrenatural de vidência! Transcendi os limites da racionalidade e permiti-me descobrir o que existe além do espelho das fragilidades e das ilusões. Cortei as amarras demasiado perfeitas de tudo aquilo em quis acreditar e declarei a entropia de sentir. Convoquei em mim o livre-arbítrio e dos ventos fiz percursos e das marés viagens a descobrir.
Fui caravelas quinhentistas e dobrei os bojadores que existiam para lá da esfericidade do interior desconhecido. Ignorei os vatícinios do Velho do Restelo tão pessoal e parti disposto a enfrentar os meus adamastores. Alarguei os limites do meu império, revelei pontos cardeais à rosa dos ventos e dei novos mundos ao meu mundo. Foi então que descobri que somos feitos de tempos distintos, da soma desordenada de horas desavindas e de aromas de magnólias. Somos feitos de representações de âmbar, de gemidos de guitarras e de penedos de despedidas. Somos feitos de prosas, poesias e versos brancos. Somos feitos de rasuras e de papéis passados a limpo. Somos feitos de palavras silenciadas por beijos e de beijos que pedem mais palavras e mais silêncios reveladores. Somos feitos de nós e dos outros que em nós vivem eternamente, pois nunca os poderemos expulsar do lugar que conquistaram.
Porque nesta peregrinação me descobri entre multiplas soluções do Livro dos Conselhos. Porque todas as soluções convergem em palavras paralelas. Porque "se puderes olhar, vê. Se puderes ver, repara."

Thursday, September 08, 2005 

Vazio...

Poderia falar do vazio, mas ficaria sempre aquém dele e das suas margens. Porque ele não se reveste de palavras, apenas de formas de sentir. Poderia falar da sua presença física que me invade assumindo a forma de equações indissolúveis.
Poderia falar deste vazio que faz tocar os sinos a rebate, dobrando em dúvidas de bronze e incertezas de aproximações. Falaria do vazio que me embala e por onde me divago na sua sala lívida raiada de branco. Porque neste vazio o branco é a ausência da cor e o vazio é a indefinição de todas as formas de sentir. Porque o vazio é alvo luto dos sentimentos abandonados ao tempo.
Poderia falar do vazio que traz nocturnos e sacrifica as horas para atingir a redenção da certeza, porém tenho as palavras amordaçadas e todos os meus apelos são silenciosos. Demasiado vagos que se extinguem nos arredondamentos das esperas e nas amarras da inacção.

Monday, September 05, 2005 

Pretéritos do silêncio...

Ainda me lembro de te sentir tão perto. Lembro-me de como era olhar-te nos olhos e saber que me ia encontrar no mais lugar mais profundo do teu olhar, porque dizias que assim me podias guardar melhor. Ainda me lembro do modo como o teu silêncio percorria o meu corpo. E era tão subtil esse teu silêncio incondicional e persistente que me despia de palavras e revelava a nudez dos afectos. Trazias em ti as metáforas do silêncio e abandonavas as palavras. Demasiado banais e efémeras. Sempre preferiste o silêncio e levaste-me a crer que preferias o meu silêncio no qual procuravas refúgio.
Partilhávamos este pacto de cumplicidades em silêncios erigido. Preenchíamos os espaços vazios do silêncio e deixávamos arder as palavras. Davas asas ao fascínio do tempo e juntos assistíamos ao silêncio que ressurgia da cinza das horas em pássaros de fogo que iluminavam todos os lugares que um dia foram teus e hoje pertencem a ninguém. Hoje apenas são recordações de pretéritos e vestígios de aquilo que um dia eu julguei que fomos.

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