Wednesday, November 30, 2005 

Hoje, apenas por hoje se ainda quiseres parar...

Detém-te aí. Não me procures, sobretudo não te procures em mim. Dissolvo os teus passos na corrosão que de mim emana e deixo arder as tuas palavras. Não te aproximes mais. Fá-lo por ti, se não puderes fazê-lo por mim.
Porquê continuares a fingir? Tu também sabes que todas as minhas razões são ácidas e que em mim corre o veneno da distância com o suave aroma de café. Vais-me tomando lentamente, continuando a dissolver o açúcar que nunca te ofereci em movimentos circulares.
Insistes em recriar sentimentos de areia quando sabes que me visto com o refluxo da maré e a direcção do vento. Parece que não sabes o efeito das marés sobre as pegadas na areia.
Pára de caminhar. Não feches os olhos porque assim não verás o que quero que vejas. Não corras que posso não estar onde pensas que estou. E a distância deixa de existir, dado que te encontras junto a mim. Procuras o lugar do teu corpo no meu peito e percorres o meu pescoço com os teus lábios. A tua boca encontra a minha e declaras a entropia da minha segurança. Sou teu. Envolves-me numa troca de carícias entre dois corpos que se conhecem. E não há espaço para as palavras, o meu corpo é o teu corpo e o teu também me pertence. Porque não há dois corpos. Apenas nós.
Fechas os meus olhos com um beijo e dizes que assim estás guardada em mim. Como se não estivesse impregnado com o teu cheiro. Tens cheiro de magnólias e das chuvas de Outono. Adormecemos o desejo e sou feliz enquanto te dou o hoje e o agora, porque podemos não saber dividir o amanhã.

Sunday, November 20, 2005 

Não em ti...

Porque a minha noite não é igual à tua, porventura nem nunca chegaram a ser iguais. Fui demasiado egoísta para partilhar contigo a noite que tenho por minha, contudo inebriei-te com uma outra noite, com a noite que tu desejavas e que recriei à tua medida. Só não era a minha noite.
Dei-te a transcendência do prazer imediato, um mero encontro de corpos que se reconheciam pelo toque e que adormeciam juntos, mas nunca a entrega e a redenção. Por momentos os nossos corpos falaram a língua da cumplicidade e subverteram todas as regras e princípios. Por momentos fomos significantes e significados, bem como sintaxes e semânticas que se anularam nos arredondamentos das horas. Percorri o teu corpo com sofreguidão procurando encontrar-me em ti e na confusão dos sentidos. Do calor dos corpos, do sal do suor, dos gemidos, da fusão e do prazer avulso.
E hoje não és senão mais um corpo, uma vaga lembrança do que um dia foi estar próximo do amor temporário. Dei-te noites de lua cheia para que não visses eclipses e concedi-te o cálice da entrega sem nunca conhecer o seu travo.
Porque a minha noite não é igual à tua. Porque a minha noite não é tua. Porque posso dormir contigo mas não em ti.

Tuesday, November 15, 2005 

Do incompreensível...

Do incompreensível
Das folhas arqueadas e seduzidas nas distantes formas de se olhar.
Da inconstância do certo e do incerto.
A suposta magia de que tudo é transcendental torna-se por vezes baça, mas há tanto na delinquência das cores e das poses, oh Visão!
A derradeira força da música corre por riachos de sangue e invade, comove e estremece, oh Audição!
Da ternurenta nudez onde reluzem águas-marinhas sente-se no deleite de mil convulsões orgásmicas, oh Toque!
E do sabor das coisas, que também por momentos é dos mundos, das cores, do amargo e do picante, do doce e do salgado, oh Palato!
E da loucura, do êxtase, da cadência perpétua dos aromas, cheiros que me regam de desejos e inconstâncias onde rogo por ficar, oh Olfacto!
O que é compreensível?
O que vejo, ouço, sinto, saboreio, cheiro?
Ou a sensação que um dia, talvez, lá nas monumentalidades estranhas dos dias futuros, sentir-se-á tudo isso como verdadeiro e puro?
O puro e o verdadeiro há muito que do meu dicionário se tornaram alimento das traças que se alimentam de significados passados.
Do incompreensível...
Bem do nonsense...
A novidade dos segundos, a alienação, e a estranha perfeição do desconhecido.
Da loucura, do sexo, das emoções, das amizades, cumplicidades, olhares, toques e possessões, desses perspicazes momentos, em que nada é o que é, em que tudo é o que nada até aí tinha sido, daí provém o incompreensível.
E é belo não é?


Dreamer


Da exaltação dos sentidos. Dos limites da razão e da celebração do infinito. Do meu infinito, do teu infinito e de tudo o que em nós é inconstante e se rebate em aforismos infinitesimais.
Falo-te da visão do agora e da proximidade, da distância e do passado e da magia e da revelação numa linguagem promíscua de signos e de sinais que se passeiam pelo teu olhar sedento de mais. E tudo está à tua frente numa torrente frenética e dividida de cores, nos contornos distorcidos e no caminho ad aeternium onde descansas fugazmente o que entendes por olhar. Vês?
Da sucessão de escalas indefinidas, de pianos e de violinos e dos sussurros que se erguem na imensidão transcendente da noite. Da musicalidade e das vozes que se misturam nos fluidos que nos percorrem. De tudo o que guardamos de nós e dos outros na sonoridade do silêncio. E no silêncio damos corpo às palavras em diálogos amordaçados de sentir. Ouves?
Estendes a mão, aquela que um dia soubeste que foi agarrada e percorres o corpo que se estende à tua frente. Esse corpo que se entrega ao teu quando as noites de ambos se desnudam e têm a mesma duração. Tacteias?
Do sabor de viver em compassos demasiado singulares. Do caos do sabor. Da indefinição das palavras e dos gestos que procuras agrupar por sabores. Saboreias?
Erguem-se arcadas e templos helénicos em aromas e pulsões. Procuras nos outros o cheiro que queres guardar para ti, procurando reconhecer o teu próprio cheiro nos outros. Cheiras?
Procuras o dado puro da sensação, o conhecimento não contaminado e a compreensão que um dia julgaste ser capaz de atingir. E não te deram mais do que a redenção do incompreensível, por isso não perguntes o que vês, o que ouves, o que tacteias, o que cheiras e o que saboreias. Não me perguntes. Eu nunca te poderia responder, porque se o faço agora não te diria a verdade.
E então quando os instantes são destituídos de sentido, soltas amarras e avivas a chama que há em ti. Fechas as portas ao conhecido, entregas-te a esta corrente alucinante e rejeitas as definições que não te pertencem. Porque nem tudo tem que fazer sentido. De tudo o que te define. Dos estados alterados de consciência, da clarividência e do incompreensível.
E quando me perguntas se é belo…devolvo-te a retórica. Sabes tão bem como eu que sim.

Walter

Saturday, November 12, 2005 

Da janela...

Ainda me recordo de ter visto que a janela estava aberta e hoje tenho a certeza de que tu também a viste. Estava aberta, mas não o suficiente para me perturbar. Nunca o suficiente para te perturbar. E assim seguimos em indiferença, afinal para nós era apenas e só uma janela.
Neste quarto que um dia foi nosso ainda se respira luxúria e desejos carnais, ainda te respiro quando fecho os olhos e te vejo chegar a mim. Ainda oiço os teus passos sobre o meu silêncio, ainda sinto o teu toque quando a noite tinha laivos de entrega e nos prendia em partilhas de cigarros, a nossa breve reconciliação com a finitude do acto em si e com a crueza dos nossos modos de sentir.
Nenhum de nós confessou quem deixou a janela aberta. Talvez tenha sido eu. Talvez tenhas sido tu. O teu lado da cama ainda sente a falta do teu corpo e eu neste momento ainda procuro encontrar o teu cheiro e o som das cores com que pintavas o encontro dos nossos corpos. Ainda procuro o teu cheiro no meu corpo, aquele aroma de proximidade e de suor com que me impregnavas enquanto fomos um só corpo, enquanto te olhava nos olhos e bebia o néctar da comunhão pelos teus lábios. E hoje respiro apenas o cheiro que a tua ausência provoca em mim. Esse cheiro que se mistura com o ar saturado de cigarros solitários.
Afinal a janela esteve aberta tempo demais para nós os dois e nenhum de nós pareceu reparar que enquanto esteve aberta tudo o que um dia foi nosso se desfez. O nós deixou de existir e deu lugar a um eu e a um tu diferenciados. E não houve surpresa, apenas constatações. Cruzaste a ombreira da porta, voltaste-te para mim e disseste-me para eu fechar a janela.

Monday, November 07, 2005 

No fundo sempre soubeste...

No fundo tu sabias que eu poderia cair a qualquer momento. Eu nunca quis admitir que o limite estava tão próximo e que a minha suficiência era limitada. E tu? Tu estavas no encontro da disponibilidade sincera com o silêncio e eu não soube dissolver as fronteiras e não corri para os teus braços, mesmo sabendo que não os fechavas. E isso magoa-me mais do que imaginas.
Sabias que o passado jamais se mantém enclausurado em simetrias, assim como sabias que eu sou muito mais do que mostro. E eu fechei os olhos para não ver os trapézios demasiado assimétricos de recordações que tu sabias existirem, nesta falsa segurança transparente que me vai aconchegando.
Sabias que inevitavelmente eu me perderia em subterfúgios ás palavras e aos sentimentos, sabias que isso me conduziria a um caminho sem retorno e mesmo assim jamais deixei que as tuas palavras me gritassem por dentro e se organizassem em correntes irrefutáveis da tua presença em mim. Porque não me basto, porque silencio apelos, porque me faltas e dói saber isso. Sabias que eu ia cair e eu caí, contudo tu estavas lá para me limpar as lágrimas que não chorei e para me estender a mão que eu jamais ousei pedir.

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