Do incompreensível
Das folhas arqueadas e seduzidas nas distantes formas de se olhar.
Da inconstância do certo e do incerto.
A suposta magia de que tudo é transcendental torna-se por vezes baça, mas há tanto na delinquência das cores e das poses, oh Visão!
A derradeira força da música corre por riachos de sangue e invade, comove e estremece, oh Audição!
Da ternurenta nudez onde reluzem águas-marinhas sente-se no deleite de mil convulsões orgásmicas, oh Toque!
E do sabor das coisas, que também por momentos é dos mundos, das cores, do amargo e do picante, do doce e do salgado, oh Palato!
E da loucura, do êxtase, da cadência perpétua dos aromas, cheiros que me regam de desejos e inconstâncias onde rogo por ficar, oh Olfacto!
O que é compreensível?
O que vejo, ouço, sinto, saboreio, cheiro?
Ou a sensação que um dia, talvez, lá nas monumentalidades estranhas dos dias futuros, sentir-se-á tudo isso como verdadeiro e puro?
O puro e o verdadeiro há muito que do meu dicionário se tornaram alimento das traças que se alimentam de significados passados.
Do incompreensível...
Bem do nonsense...
A novidade dos segundos, a alienação, e a estranha perfeição do desconhecido.
Da loucura, do sexo, das emoções, das amizades, cumplicidades, olhares, toques e possessões, desses perspicazes momentos, em que nada é o que é, em que tudo é o que nada até aí tinha sido, daí provém o incompreensível.
E é belo não é?
Dreamer
Da exaltação dos sentidos. Dos limites da razão e da celebração do infinito. Do meu infinito, do teu infinito e de tudo o que em nós é inconstante e se rebate em aforismos infinitesimais.
Falo-te da visão do agora e da proximidade, da distância e do passado e da magia e da revelação numa linguagem promíscua de signos e de sinais que se passeiam pelo teu olhar sedento de mais. E tudo está à tua frente numa torrente frenética e dividida de cores, nos contornos distorcidos e no caminho ad aeternium onde descansas fugazmente o que entendes por olhar. Vês?
Da sucessão de escalas indefinidas, de pianos e de violinos e dos sussurros que se erguem na imensidão transcendente da noite. Da musicalidade e das vozes que se misturam nos fluidos que nos percorrem. De tudo o que guardamos de nós e dos outros na sonoridade do silêncio. E no silêncio damos corpo às palavras em diálogos amordaçados de sentir. Ouves?
Estendes a mão, aquela que um dia soubeste que foi agarrada e percorres o corpo que se estende à tua frente. Esse corpo que se entrega ao teu quando as noites de ambos se desnudam e têm a mesma duração. Tacteias?
Do sabor de viver em compassos demasiado singulares. Do caos do sabor. Da indefinição das palavras e dos gestos que procuras agrupar por sabores. Saboreias?
Erguem-se arcadas e templos helénicos em aromas e pulsões. Procuras nos outros o cheiro que queres guardar para ti, procurando reconhecer o teu próprio cheiro nos outros. Cheiras?
Procuras o dado puro da sensação, o conhecimento não contaminado e a compreensão que um dia julgaste ser capaz de atingir. E não te deram mais do que a redenção do incompreensível, por isso não perguntes o que vês, o que ouves, o que tacteias, o que cheiras e o que saboreias. Não me perguntes. Eu nunca te poderia responder, porque se o faço agora não te diria a verdade.
E então quando os instantes são destituídos de sentido, soltas amarras e avivas a chama que há em ti. Fechas as portas ao conhecido, entregas-te a esta corrente alucinante e rejeitas as definições que não te pertencem. Porque nem tudo tem que fazer sentido. De tudo o que te define. Dos estados alterados de consciência, da clarividência e do incompreensível.
E quando me perguntas se é belo…devolvo-te a retórica. Sabes tão bem como eu que sim.
Walter