Wednesday, October 27, 2004 

São aqueles que recordo os que sempre me esquecem...

Hoje reconstruí o mapa das recordações. Decifro coordenadas diluídas e deixo que me conduzam aos mais ínfimos lugares da memória.
Recordo todas as pessoas que deixaram marcas indeléveis na minha vida e que acabei por perder. O sentimento de perda é amargo e desalenta. Perdi-as e dói-me a sua ausência.
Hoje recordo essas pessoas e sinto que ando à deriva no mar do esquecimento. Não fui cordas nem amarras capazes de suportar as suas vagas. Fui esquecido... apenas esquecido como tantas vezes eu esqueci alguém.
Desfio o novelo das considerações condicionais. Se recordo alguém, então de alguma forma já esqueci essa pessoa.
Para não esquecer ninguém prefiro guardar em mim todos aqueles que me recuso a esquecer.

Wednesday, October 20, 2004 

O sentir é impreciso...

"Nem sentir é possível se hoje se sente como se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir- é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção- isto é, só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos."
B. Soares

Não me encontro no epicentro dos sentimentos e não me tenho na imprecisão do sentir... todos os sentimentos são esparsos na sua dimensão impessoal.
Apenas sinto a aproximação do sentir na imperfeição fugaz dos instantes em que me encontro onde nunca me procurei.
Busco hoje o epílogo dos sentimentos na pérfida lembrança do lugar onde ontem descobri o prólogo do sentir.

Tuesday, October 19, 2004 

Constatações...

Quando a tristeza nos rodeia
Quando a solidão nos envolve
Com o seu abraço suave
Quando as palavras perdem o sentido
E o silêncio atormenta
Com o seu som vazio
Olhamos à nossa volta
Não encontramos ninguém
Apenas sombras desconhecidas
Quando as portas se fecham
Quando as luzes se apagam
Quando as máscaras caem
Revelam-se todas as fraquezas
Olhamos à nossa volta
Não encontramos ninguém
Não encontramos nada
Apenas vestígios do que somos
E do que queremos ser
Quando a noite somos nós
Quando o abismos está tão próximo
Que se confunde connosco
Olhamos à nossa volta
Nada... Ninguém...
Tudo o mais é silêncio
Tudo o mais é cinza
Tudo o mais é ruína
Tudo o mais é tão pouco
Tudo o mais é nada

Traz-me a espera o desassossego. A noite principia lá fora, em mim há muito que anoiteceu... abro a janela e presencio a fusão das duas noites.
A escuridão amplia as inquietações e conduz-me à clarividência nocturna de algumas constatações. A espera mostra-se na cumplicidade dos silêncios e anuncia-se na convergência das palavras.

Tuesday, October 12, 2004 

"A superioridade e a inferioridade são sempre comparações... e se não houver comparações, quem serás tu?"...

A resposta de Jade elevou-me a uma irrealidade desconhecida onde o tempo é desigual. Não sei precisar quanto tempo por mim passou, apenas sinto a sua passagem na antitética dissolução das horas idas.
Recorro ao firmamento das palavras na tentativa de criar uma corrente, na qual cada elo ganhe sentido e se prenda com as emoções. Rodeiam-me as palavras, assaltam-me as dúvidas e torna-se crescente a dificuldade em associá-las num todo coerente, contudo sinto uma necessidade imperativa de responder a Jade.
Sucedem-se as palavras e a carta ganha existência...

Não sei o que significa a tua nitidez salina do real, mas sei que é agressiva para o olhar. Magoa abrir os olhos na imensidão salina da realidade exterior.
Rejeito o paradigma vigente do livre-arbítrio e evito aceitar as rédeas da vida. Não conheço a lição da humanidade e perco-me no imediatismo do ser, todavia não sei ser se não for plural. A minha pluralidade condena-me a ser menos do que os outros sendo mais do que todos eles.
Eu sou o que procura ser o desconhecido em que me tornei. Quanto a ti não te conheço, apenas reconheço o teu olhar...dir-me-ás tu quem és?


Retorno à realidade conhecida, selo a carta, abro a porta e endereço-a a quem as palavras regressam. Adivinha-se o aproximar do compasso da espera.

 

O silêncio é um murmúrio inaudível regido pela culpa...

Trago em mim prelúdios de silêncios cúmplices e saudades das palavras indizíveis. Deixo que me tome o silêncio porque não sei traduzir em palavras o que quero dizer, pois temo que estas sejam insuficientes. Esta é a minha natureza.
Acusam-me de usar subterfúgios aos sentimentos e de fugir às emoções e vejo-me condenado por me refugiar no silêncio. A sentença é sobejamente conhecida, sou mais uma vez considerado culpado e remeto-me à minha intrínseca reclusão onde as palavras não se pronunciam.
Atribuem-me a culpa...reconheço-me ao deixar-me invadir por esta. Sou culpado, só não sei de quê ou finjo não saber. Sou culpado por inúmeras vezes ser indecifrável o meu silêncio. Sou culpado por ser parco em palavras. Sou culpado por ser incapaz de expressar o que sinto. Não sei que outra culpa me poderá ser atribuída.
Espero um dia ser absolvido. Almejo profundamente que os meus interlúdios de silêncios sejam desnudados e não se convertam uma vez mais no retorno às omissões.Para quê forçar a farsa das palavras? Para quê sujeitar-me a meros códigos linguísticos que não me revelam? Por isso vocalizo e dirijo silêncios porque me encontro no desencontro das palavras.

 

"Oiço a voz subir os últimos degraus Oiço a palavra alada impessoal Que reconheço por não ser já minha"...

Assisto à passagem do tempo. Perco-me na interminável sucessão dos seus instantes, o altar onde sacrifico incertezas para atingir a redenção da espera.
Termino o sacrifício e liberto-me do jugo opressivo e soturno da espera, a regente das expectativas infundadas e em constante devir. Dirijo-me à janela. Nada se destaca da mediocridade invariável da rua.
Vagueio no labirinto onde as emoções se dispersam e procuro a saída. Como encontrá-la se por cada inacção me anulo nos arredondamentos das horas? Como encontrá-la se me condeno ao perpétuo fogo lento da apatia? Deixo arder esta fogueira na ânsia de encontrar a saída na cinza das horas...
Sinto uma presença no exterior, a qual se encontra traduzida por palavras que me são dirigidas. A resposta de Jade chegou. Leio a carta com as emoções que para ela transfiro:

A vida é muito mais do que um jogo de espelhos. Viver é mais vasto do que simplesmente mergulhar em olhares vazios. Não te resumas à suficiência de um olhar já de si insuficiente...
Aceita as rédeas da tua vida pois é teu o livre arbítrio. Procura-te onde nunca pensaste estar e revela-te como nunca pensaste ser, pois não somos mais do que ser e estar.

“Abre e porta e caminha
Cá fora
Na nitidez salina do real”
S. Andresen

Wednesday, October 06, 2004 

Alguém disse que as tempestades não se propagam no vazio...

A espera é como uma escultura terminada da autoria de um qualquer desconhecido. Uma obra que expande a sua constância para além das fronteiras da eternidade. As horas parecem recusar a sua própria sucessão e arrastam-se penosamente tornando a espera insustentável.
Renuncio a todas as formas de ser e rendo-me ao vazio. Não sou somente uma parte do vazio, hoje entrego-me e entrego-lhe a minha existência. Hoje sou o vazio das emoções.
Desvendam-se os primeiros indícios de uma tempestade. Sinto aproximar-se o tornado dos sentimentos. O céu escurece e condensam-se as nuvens de inquietações. Não tardará o início da tempestade.
A cumplicidade da espera e do vazio cumpriu finalmente todos os presságios… a tempestade chegou. Arrasadora e incontrolável como sempre. Encontro dispersos os fragmentos das emoções que não possuo. A fúria incontida do tornado revela assim a fragilidade destas.
A tempestade transcende a sua natureza revolta e eu vejo-me exposto a ela, pois não encontro qualquer refúgio. O tornado deixa atrás de si um rasto de destruição que se prolonga até ao infinito, no qual se confundem sentimentos e inquietações que resistem a regressar ao seu lugar congénito.
Lentamente a tempestade amaina e mergulha na indolência como um gigante adormecido. Passada a tormenta, o sentimento de vazio mantém-se intocável. Sinto-me vazio. Há sentimentos que resistem a qualquer temporal. E esta foi apenas mais uma tempestade interior.
Alguém afirmou à luz da ciência que nada se propaga no vazio. Erro crasso. Esta tempestade demonstra o inverso.
O vazio domina-me e a espera permanece.

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