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Sunday, October 23, 2005 

Perversão...

Das inúmeras maneiras de fingir. De todas as formas em que me recrio, em que te recrio, em que faço diluir sentimentos em razões ácidas. De todos os cenários e palavras vulgares que me tomam. De tudo o que trago guardado. De mim. São íntimos versos coados em ficção. Não tanto os versos, mas a falta deles - as suas sombras. A ausência da sua impressão, da sua análise abstracta, ou do bairro de ilusões onde vivo intermitentemente. Guardo de tão pouco, as ilustrações ou hipóteses absurdas de tudo o que existe em mim. Não sei esculpir a realidade física. Tudo permanece alheio ao concreto, na indefinição de uma dimensão própria, que vou esquecendo por completo, porque não a sei sentir. Perco-me.
Por preferires a prosa aos versos, prendes-me irremediavelmente ao rectângulo das palavras que adoecem na minha boca, contaminadas pelos pronomes da minha impessoalidade.
Misturo significantes e significados, rasgo a semântica e concedo novos princípios à sintaxe do amanhecer, quando na verdade há muito que anoiteceu em mim. Tenho os sentidos subvertidos, dou a conhecer o que oiço com o olhar, o que toco com o ouvir e o que vejo com o tocar. Assim, envolvo-te num estranho mundo de distorções e de falsas aparências e sorrio quando acrescentas mais uma convicção à tua esfera de certezas.
É como viajar, dizer-te-ia eu. Há a novidade da paisagem aos teus olhos, há o ímpeto de pensar todas as sensações num ramo de crisântemos. Por isso me invento em partículas de paisagem diversas, para que o choro das árvores do meu coração não se torne uma ideia em si mesma, e exista sempre em ti, um fascínio cruel que te faça acabar o dia diante de mim. Serei sempre outro - um lago abstraído do seu reflexo, um livro folheado na janela de um quarto. Porque afinal, não serei o outro nem o mesmo, se um deles necessariamente haveria de ser, só o sonho de um em ser o outro.
Deixo-te permanecer nessa falácia que te aconchega e que me serve. Nesse engano que eu provoco e alimento de modo perverso para saciar a tua fome de mim. Oiço as minhas palavras como se permanecesse em silêncio. Poderias tu reconhecer-me em tudo que não te digo? Nos meus hipotéticos gestos, artifícios da minha inquietação, nas minhas pequenas esperanças que afinal são pálidas torturas?
E no momento em que me falto, no momento em que me procuro entre faces e essências, ardem pequenos pedaços de mar que me abandonam em labaredas líquidas. E neste instante em que estou desprotegido, repicam os sinos quando a tua sombra encontra a minha e logo me apresso a sorrir. Tu retribuis o sorriso e mostro as mãos vazias que sabem a sal e a cinza. Sabias que as lágrimas também ardem?

(…Tenho um sonho derramado nas escadas da entrada. Se por ventura o tivesse em mim, mesmo que preso ao forro de um bolso meu, era semelhante a estar morto no chão, como uma poça de sangue num pátio de uma escola. Pois estaria crispado contra o meu corpo embrutecido pela tua ausência. De tudo quanto de si existiria, não seria mais do que um rasto do seu quietismo ou vasto silêncio. Por isso me aparto neste quarto sem intimas esperanças, curvado sobre um livro, anulando-me nos seus ínfimos sentidos…)

Walter e Joaquim Gilvaz

De tão pessoal que possa ser o que escreveste, realço o sentimento com que foi escrito.

Abraço...

Luís Teixeira

Estupefacta. Fiquei assim ao ler este texto. Proferir palavras em constante imensidão, preversão...
Gostei tanto que a minha atenção prendeu-se de uma maneira absurda a tais palavras ousadamente escritas sobre o outrem...

Walter, o que posso dizer...escreves como poucos. A tua escrita é de uma beleza imensa. É um prazer desfrutar as tuas palavras (infelizmente não tenho tido muito tempo, mas quando posso venho aqui lêr os teus textos divinos e agradecer igualmente todas as tuas belas palavras para mim...obrigado)

Um abraço

viajei na blogosfera e encontrei palavras sublimes, de uma escrita que prende. Parabéns.

É raro encontrar alguém que escreva como tu, mas mais raro ainda é encontrar alguém que sinta o que escreve como tu o fazes. Hoje fiquei feliz por saber que não és o único. Parabéns aos 2 por este lindo texto.

Miguel

PS: Sim, sou fã de Jamie Cullum, se bem que só desenvolvi este gosto com o lançamento do novo album. Abraço.

mt bem escrito, transmite um sentimento exacerbado... é dificil comentar posts assim, kd parece estar ja tudo dito... **********

Mais um texto de rara beleza, bem ao teu jeito.

Olá Walter,
Agradeço o teu comentario, mas cumpre-me informar-te que o blog aromas do mar é feito por duas pessoas, que por acaso ambas se chamam Lina. Eu sou a Lina, Mar Revolto e a outra Lina é a Mar Azul.
Beijos da mar revolto

Bem... Coff... Coff... Parabéns aos dois. Está mesmo muito bom! Um texto que parece falar de tudo e de nada, falando a cada um de forma única, como se de infinitas interpretações se tratasse.
Imensamente triste e, paradoxalmente, esperançoso... Saio com um sorriso nos lábios!

Abraço. Sentido. Martim

É perverso e triste... mas brilhante!!! As emoções estão todas lá.
Adorei a parte final do texto: "Tu retribuis o sorriso e mostro as mãos vazias que sabem a sal e a cinza. Sabias que as lágrimas também ardem?". Embora tenha gostado também, particularmente da inicial: “Das inúmeras maneiras de fingir. De todas as formas em que me recrio, em que te recrio”. Não desfazendo o resto... Até porque as frases interligam umas nas outras, como uma sequência embora complexa. Mas os sentimentos são difíceis.
A parte dos parênteses foi a que achei mais perversa de todas, na minha opinião.
E como uma certa pessoa disse :P estes "dois homens da minha vida" tiveram à altura como sempre ;)

Polegar um beijão pos dois ;*

Em primeiro lugar queria agradecer-te por teres escrito comigo este post, so um verdadeiro amigo como tu poderia encontrar um espaço teu no meio das minhas palavras! Quero agradecer-te sobretudo, não apenas por isto, mas pela tua amizade gratuita e pela tua presença!
ès um ser humano de excepçao!podia tentar traduzir em palavras a nossa amizade, mas estas ficariam sempre aquém! és o amigo de todas as horas.
um abraço
walter/mário

Agradeço-te o teu convite e confiança depositada para escrever no teu blog. Se de inicio foi dificil encontrar-me nas tuas palvras, logo compreendi pela tua forma específica de sentir, o sabor das tuas palavras. Espero que este seja o primeiro de muitos...

Sabes que podes contar comigo para desenhar sempre palvras bonitas na tua vida: serão de amizade, confiança, saudade e apoio incondicional...

Miúdo CURTO-TE BUE!!!!

Abraço

adorei o vosso post, sério! principalmente a parte do meio (seja la kem escreveu)!
agra fikei curiosa kem escreveu o quê! bjinhox adoro-VOS

FURA_BOLOS

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