Se não for tarde demais...
Não podia esperar mais por ela. Não mais, porque o tempo de ambos era desigual. Fechada a porta, ele procurou em si todos os sinais dela. Um por um, enumerou-os, ordenou-os e guardou-os em conjuntos de memórias dispersas no fumo perverso de um cigarro. Primeiro, a música que deambulava pela casa, que se escondia pelos recantos e que adormecia na cama de ambos. Ele expulsou-a de si, guardou-a em partituras de despedidas e trocou-a por inquietantes silêncios.
Depois fechou os olhos e encontrou o aroma da presença dela entranhado nele. Tinha cheiro de sofreguidão e inconsistência, mas não de amor. Ela que falava das várias formas de amor, mas não sabia o que era o amor. Ele deixou escorrer, demoradamente, a água pelo corpo, esperando que esta o lavasse da presença dela.
Muito mais haveria a fazer…rasgou cada uma das palavras que ela lhe deixou e sorriu com a facilidade com que o fez, afinal as palavras dela eram vazias. Perguntou a si mesmo por onde mais poderia ela estar e a resposta veio sob a forma de momentos e de fotografias. Misturou fotografias e momentos e deixou que ardessem por ele, quando não haveria mais ninguém por quem arder. Pensou no que fizera e não houve culpa. Afinal não tinha porque se sentir culpado.
Nenhum romance foi pensado para ser vivido a duas pessoas. Paradoxal? Desconcertante? Talvez, assim era ele neste jogo de assimetrias que o definia. Foi isto que ela não chegou a perceber, porque enquanto forem dois, não haverá lugar para a unicidade que define o amor.
Ele mostrou as mãos que esculpiram a sal e a cinza, o mar que um dia conheceu, passou-as levemente pelos lábios retirando tudo o que restava do beijo dela e a sorrir murmurou: “quando souberes amadurecer o que realmente queres…podes voltar no encontro do tempo e no arredondamentos das horas com o meu modo de te sentir.”