Sunday, March 19, 2006 

Se não for tarde demais...

Não podia esperar mais por ela. Não mais, porque o tempo de ambos era desigual. Fechada a porta, ele procurou em si todos os sinais dela. Um por um, enumerou-os, ordenou-os e guardou-os em conjuntos de memórias dispersas no fumo perverso de um cigarro. Primeiro, a música que deambulava pela casa, que se escondia pelos recantos e que adormecia na cama de ambos. Ele expulsou-a de si, guardou-a em partituras de despedidas e trocou-a por inquietantes silêncios.
Depois fechou os olhos e encontrou o aroma da presença dela entranhado nele. Tinha cheiro de sofreguidão e inconsistência, mas não de amor. Ela que falava das várias formas de amor, mas não sabia o que era o amor. Ele deixou escorrer, demoradamente, a água pelo corpo, esperando que esta o lavasse da presença dela.
Muito mais haveria a fazer…rasgou cada uma das palavras que ela lhe deixou e sorriu com a facilidade com que o fez, afinal as palavras dela eram vazias. Perguntou a si mesmo por onde mais poderia ela estar e a resposta veio sob a forma de momentos e de fotografias. Misturou fotografias e momentos e deixou que ardessem por ele, quando não haveria mais ninguém por quem arder. Pensou no que fizera e não houve culpa. Afinal não tinha porque se sentir culpado.
Nenhum romance foi pensado para ser vivido a duas pessoas. Paradoxal? Desconcertante? Talvez, assim era ele neste jogo de assimetrias que o definia. Foi isto que ela não chegou a perceber, porque enquanto forem dois, não haverá lugar para a unicidade que define o amor.
Ele mostrou as mãos que esculpiram a sal e a cinza, o mar que um dia conheceu, passou-as levemente pelos lábios retirando tudo o que restava do beijo dela e a sorrir murmurou: “quando souberes amadurecer o que realmente queres…podes voltar no encontro do tempo e no arredondamentos das horas com o meu modo de te sentir.”

Sunday, March 12, 2006 

Foste tu que me perdeste...

Ouvi o bater seco da porta ao fechar enquanto dormia. Ainda havia o teu perfume nos lençóis que abraçavam o meu corpo, enquanto procurava o teu ao meu lado. Abri os olhos procurando por ti e não estavas. Perguntei por ti e respondeu-me a tua ausência. Apostei comigo mesmo que seria momentânea, como tantas outras. Um até breve disfarçado de adeus, como tantos outros. Aqueles que te disse. Aqueles que me disseste.
Deixei que o tempo se contasse entre cigarros fugazes e justificações para a tua ausência. Passos lá fora. Serão os teus? Não. Seguramente não são os teus. Se o fossem já terias entrado por essa porta. Nunca poderiam ser os teus, porque esses eu conheço de cor, mas bastou-me esta ilusão para saber que ainda espero por ti. Como tantas outras vezes.
Não houve um bilhete de despedida e as chaves deixaste-as propositadamente na fechadura. Pelo lado de dentro. Deixaste-me preso a ti, ao porquê de tudo isto e à vaga expectativa do teu regresso. Que egoísta foste, que não me deixas ser teu nem de mais ninguém. E saíste deixando a porta bater. E eu ouvi-a bater. Foste tu que me perdeste. Foste tu que fugiste. Foste tu que não quiseste mais. Foste tu que não me quiseste mais.

Thursday, March 02, 2006 

Da amizade...

Porque hoje só podia falar de ti. A ti que tanto me deste e me dás. Puro, lúcido, louco, sonhador, genial e amigo, eis a forma como te vejo.
Sabias que és feito de música? Gemem violas nas tuas mãos que te segredam todas as palavras. Dedilhas as cordas dos meus silêncios e levas-me a soltar a voz que trago presa em murmúrios. És mestre na envolvência dos silêncios presentes que te fazem sentir tão perto, és fiel depositário de lágrimas e de sorrisos e de todas as palavras que apenas em nós tomam significado. Porque contigo eu sei que muitas vezes não preciso de falar, quando tu já sabes o que tenho para dizer. És tanto por seres assim e eu só te posso agradecer por isso.
Contigo a amizade tem cheiro a mar e relembra músicas que só por ti têm outro significado. Tu que me lês silenciosamente e me revelas quando me libertas em pássaros de fogo perante os teus olhos de amigo. De irmão, pois é isso que és para mim.
Por ti todas as noites são de boémia e amizade, de encontro e de partilha, do que é meu e teu. Por ti todas as noites são escritas a fogo e tatuadas a vento. Por ti todas as horas são de cinza anunciada.
Acendem-se candeeiros de almas à tua passagem em noites de horas acrescidas enquanto perdes o teu olhar enigmático e rebelde por todos os lugares. Porque tu pertences a todos os lugares, embora nem todos os lugares sejam dignos de ti. Acendemos mais um cigarro e trocamos palavras e silêncios…se fechares os olhos consegues ouvir que a música está no ar. Lembras-te do que te disse acerca de seres feliz?
Hoje tenho a certeza que não foi em vão, porque sei que se amanhã tiver de o fazer…fá-lo-ei seguramente e com um sorriso nos lábios.

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