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Sunday, October 09, 2005 

O acerto do silêncio tatuado...

O piano nunca chegou a ser silenciado. Fecho os olhos e inspiro a melodia que se passeia nas tuas mãos e se refugia nos teus olhos de violinos. Ainda hoje me preencho a espaços vazios que não deixaram de ser teus, mesmo quando nunca te pertenceram.
Fiz do fingir distâncias de nós e neguei-te em todas as espirais do tempo. Rasurei todos os teus mapas celestes e fechei todas as portas que foste abrindo nessa tua marcha de cumplicidades veladas. Recriaste a minha mitologia e foste Atlas por instantes, pois suportaste o meu mundo interior nos ombros, mesmo quando de sombras fiz emergir oceanos de segredos e de justificações brotaram continentes de sentir.
Porque no fundo me furtei a ti, como se te embriagasse com néctares de proximidade e comunhão, para depois não deixar que descobrisses o teu lugar em mim. Porque eu ainda me visto de receios e de passados, aqueles que me perseguem e são cárceres e carcereiros da minha capacidade de amar. Talvez seja eu que não me permito amar.
Há caminhos que se cruzam apenas uma vez e desta vez não estás aqui. Não serás mais cordas e amarras nas minhas tempestades interiores, aquelas que em mim convoquei para te envolver em desertos de sentimentos e marés de inutilidades.
E hoje não oiço os teus passos a seguir os meus. Não te vejo caminhar sobre os meus pântanos de apelos silenciosos. Não te vejo a guardar as minhas palavras, aquelas que nunca te disse por temer que as compreendesses em demasia. Não vejo o vento conduzir-se pelos teus cabelos levando um beijo meu. No fundo não estou em ti, mas tu estás em mim, pois tenho a pele tatuada pela tua ausência…e o piano, esse recolheu-se em silêncio.

Walter

Tocámos juntos o acerto das estações. Vimos os ponteiros do relógio perderem o rumo à nossa existência. As nossas mãos uniram-se num gesto comum.
Um amor infindável construiu-se das gotas de suor que derramámos, como quem sangra de si a existência, a fé e o pudor.
Respirámos no mesmo compasso. Cantei no teu ouvido, segurei a tua pele, penteei os teus cabelos.
Tu cruzaste o teu olhar com o meu, como quem receia perder o instante mágico das noites de prata. Desenhei nas tuas costas o caminho dos amantes e o teu abraço selou o meu desejo às estrelas.
Na manhã, a chuva cessa. O sol irradia, indeciso. O futuro que nos espera, também.
Pedaços de sentimento que formam papel de parede numa casa que passou a ser a tua.
Cubro o rosto com os lençóis, ainda presos com o teu cheiro. O meu corpo ainda guarda o ardor do teu toque.
Recordações.
Abro os olhos e lá estás tu, tatuado no eco das minhas palavras.
Loucura.
Voam sentimentos, que penduro como quem estende a roupa branca.
Clarividência.
Ergo o meu corpo pálido e vejo teu olhar preso no horizonte.
Fotografia.
Vejo a casa e o cheiro dos livros. Sinto o canto do vento na janela. Corto o doce que me deixaste na boca com um trago amargo de café.
O sabor que nunca passa.
Visto outra pele, outros olhos, e colo um sorriso falso no rosto.
O som da porta ao fechar, mostra o recolher de toda a dor que deixei para trás.
Fui a última nota que ouviste tocar.

Framboise

que dizer? Fantástico, a forma como construiram um texto em conjunto, e a forma como cada um demarca a sua forma de estar e sentir a vida.
um abraço
Pedro

Tentei escolher um excerto, mas não há escolha possível; o texto está fantástico, Walter. Continuas a fazer dessas tuas metáforas um caminho de oiro; espero que continues, com a sobriedade própria das coisas certas.

Parabéns aos dois.

Um abraço

Eu estou pasma com tanta beleza, com tamanha simbiose.

Estiv ausente sim, mas voltei apenas aos comentários e quero dizer-te que tu és para mim, uma das gandes referências da blogosfera, como tal impossível deixar de te visitar.

Parabéns aos dois!

Beijos

Já tinha escrito um coment todo inspirado, mas isto deu erro!

Só para te dizer que gosto muito de vir aqui

pq o medo de amar? explica-me ixo... medo de amar se o amor é arriscar, se o amor é a vertigem da montanha e o horizonte da planicie... Exe medo leva a dois sofrimentos mudos e desesperantes, leva à agonia de duas ausencias e de duas peles tatuadas pela dor...

fura_Bolos

gostei muito daqui. mesmo.
quando puder, passe para conhecer meu canto.

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abraço
eduardo

http://coisasdagaveta.blogspot.com

O acerto de dois silêncios que falam numa só voz...Muito bonito duas despedidas do "Passado".

(Muito obrigado pelas tuas palavras...és um dos Ecos que Eu adoro ler)

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