O acerto do silêncio tatuado...
O piano nunca chegou a ser silenciado. Fecho os olhos e inspiro a melodia que se passeia nas tuas mãos e se refugia nos teus olhos de violinos. Ainda hoje me preencho a espaços vazios que não deixaram de ser teus, mesmo quando nunca te pertenceram.
Fiz do fingir distâncias de nós e neguei-te em todas as espirais do tempo. Rasurei todos os teus mapas celestes e fechei todas as portas que foste abrindo nessa tua marcha de cumplicidades veladas. Recriaste a minha mitologia e foste Atlas por instantes, pois suportaste o meu mundo interior nos ombros, mesmo quando de sombras fiz emergir oceanos de segredos e de justificações brotaram continentes de sentir.
Porque no fundo me furtei a ti, como se te embriagasse com néctares de proximidade e comunhão, para depois não deixar que descobrisses o teu lugar em mim. Porque eu ainda me visto de receios e de passados, aqueles que me perseguem e são cárceres e carcereiros da minha capacidade de amar. Talvez seja eu que não me permito amar.
Há caminhos que se cruzam apenas uma vez e desta vez não estás aqui. Não serás mais cordas e amarras nas minhas tempestades interiores, aquelas que em mim convoquei para te envolver em desertos de sentimentos e marés de inutilidades.
E hoje não oiço os teus passos a seguir os meus. Não te vejo caminhar sobre os meus pântanos de apelos silenciosos. Não te vejo a guardar as minhas palavras, aquelas que nunca te disse por temer que as compreendesses em demasia. Não vejo o vento conduzir-se pelos teus cabelos levando um beijo meu. No fundo não estou em ti, mas tu estás em mim, pois tenho a pele tatuada pela tua ausência…e o piano, esse recolheu-se em silêncio.
Walter
Tocámos juntos o acerto das estações. Vimos os ponteiros do relógio perderem o rumo à nossa existência. As nossas mãos uniram-se num gesto comum.
Um amor infindável construiu-se das gotas de suor que derramámos, como quem sangra de si a existência, a fé e o pudor.
Respirámos no mesmo compasso. Cantei no teu ouvido, segurei a tua pele, penteei os teus cabelos.
Tu cruzaste o teu olhar com o meu, como quem receia perder o instante mágico das noites de prata. Desenhei nas tuas costas o caminho dos amantes e o teu abraço selou o meu desejo às estrelas.
Na manhã, a chuva cessa. O sol irradia, indeciso. O futuro que nos espera, também.
Pedaços de sentimento que formam papel de parede numa casa que passou a ser a tua.
Cubro o rosto com os lençóis, ainda presos com o teu cheiro. O meu corpo ainda guarda o ardor do teu toque.
Recordações.
Abro os olhos e lá estás tu, tatuado no eco das minhas palavras.
Loucura.
Voam sentimentos, que penduro como quem estende a roupa branca.
Clarividência.
Ergo o meu corpo pálido e vejo teu olhar preso no horizonte.
Fotografia.
Vejo a casa e o cheiro dos livros. Sinto o canto do vento na janela. Corto o doce que me deixaste na boca com um trago amargo de café.
O sabor que nunca passa.
Visto outra pele, outros olhos, e colo um sorriso falso no rosto.
O som da porta ao fechar, mostra o recolher de toda a dor que deixei para trás.
Fui a última nota que ouviste tocar.
Framboise
que dizer? Fantástico, a forma como construiram um texto em conjunto, e a forma como cada um demarca a sua forma de estar e sentir a vida.
um abraço
Pedro
Posted by Blogger | 3:14 pm
Tentei escolher um excerto, mas não há escolha possível; o texto está fantástico, Walter. Continuas a fazer dessas tuas metáforas um caminho de oiro; espero que continues, com a sobriedade própria das coisas certas.
Parabéns aos dois.
Um abraço
Posted by Anonymous | 5:20 pm
Eu estou pasma com tanta beleza, com tamanha simbiose.
Estiv ausente sim, mas voltei apenas aos comentários e quero dizer-te que tu és para mim, uma das gandes referências da blogosfera, como tal impossível deixar de te visitar.
Parabéns aos dois!
Beijos
Posted by mar revolto | 11:39 pm
Já tinha escrito um coment todo inspirado, mas isto deu erro!
Só para te dizer que gosto muito de vir aqui
Posted by Eli | 2:43 am
pq o medo de amar? explica-me ixo... medo de amar se o amor é arriscar, se o amor é a vertigem da montanha e o horizonte da planicie... Exe medo leva a dois sofrimentos mudos e desesperantes, leva à agonia de duas ausencias e de duas peles tatuadas pela dor...
fura_Bolos
Posted by Mãozinhas | 3:08 pm
gostei muito daqui. mesmo.
quando puder, passe para conhecer meu canto.
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abraço
eduardo
http://coisasdagaveta.blogspot.com
Posted by Eduardo Baszczyn | 3:51 pm
O acerto de dois silêncios que falam numa só voz...Muito bonito duas despedidas do "Passado".
(Muito obrigado pelas tuas palavras...és um dos Ecos que Eu adoro ler)
Posted by Morfeu | 12:28 am