Tuesday, November 30, 2004 

Este é o meu livro de areia feito...

Houve um dia em que me reencontrei com as palavras desavindas. Em mim convoquei a sua convergência e fiz brotar a minha obra, o livro que escrevi por todas as palavras que não fui capaz de proferir. Este é o meu livro de areia feito.
Em todas as páginas encontro tanta gente, encontro-me e não encontro ninguém. Como se todas as pessoas e ninguém partilhassem o espaço que eu não me soube preencher...
Nele cito sentimentos sem os sentir verdadeiramente, pois todos os sentimentos se transmitem melhor se forem alheios. O seu carácter quando nossos é demasiado revelador.
Revivo memórias do pretérito que guardei em todas as portas que fechei por cada página a que conferi existência. Descubro-me nos vestígios das fronteiras que foram apagadas pelas marés que eu não soube deter.
Depois de terminado tomei-o em minhas mãos, elevei-o e deixei que o vento o folheasse. Então eu que em areia me descrevi, pelo vento me dispersei. Assim o meu livro nunca chegou a existir.

Monday, November 29, 2004 

Perdido...

Perdido
Por alamedas de despedidas
Por caminhos incertos
Onde ninguém anda...ninguém
Perdido
Por avenidas escuras
Por ruas sem saída
Por becos desconhecidos
Onde ninguém vagueia...ninguém
Perdido
Por rotas não navegadas
Por vagas e marés
Onde ninguém navega...ninguém
Perdido
Por caminhos sombrios
Onde ninguém me ouve...
Onde ninguém me vê...
Ninguém

Perdido como tantas vezes me sinto...simplesmente perdido onde as palavras não têm presença, onde as razões se diluem e onde se anuncia o caminho para a perdição por cada candeeiro apagado e por cada passo que dou em qualquer direcção.


 

Ao tempo entoo o meu canto de dor e mágoa...

Deixei que o tempo seguisse o seu curso, sereno e imperturbável, como se de um rio se tratasse. A ele dirigi a dor que em mim trago, na ânsia de ao abandoná-la, ela me votasse também ao abandono.
Construí altares sagrados e confessei a quem nunca me ouviu o cativeiro da dor em que me encerrei. Em confissão segredei ao tempo rosários de dor e mágoa que a mais ninguém ousei proferir, a fim de atingir a remissão da dor que sempre professei.
Incendiei coliseus onde sacrifiquei os rostos desconhecidos que concedi ao sofrimento, na tentativa de evitar o seu ressurgir em todos os fogos fátuos que fiz surgir.
Devolvi ao passado a dor que por astrolábios e rosas-dos-ventos encontra presente em mim.
Perdi-me nos caminhos rasgados por onde o tempo passa e nos arredondamentos das horas acolhi aquela, que em constante devir, nunca de mim passou.

Friday, November 19, 2004 

Trago em mim a inquietação por isso todos os lugares são iguais...

“Costumo sonhar que estou nesta sala. E todas as portas estão fechadas. Mas há uma fenda aberta no tecto. Consigo escalar a parede até lá e chegar à sala de cima. E vejo que a sala é exactamente igual a esta, repetida. É a ideia do labirinto. Trato de fechar os olhos, de tocar a parede, então acordo. Mas há um momento angustioso em que escapo de um lugar para chegar a um exactamente igual.”
J. Borges

A evasão dilui-se neste labirinto e subtrai-se a cada rua sem saída que encontro, por isso todos os lugares se sucedem em repetições, como se de uma órbita planetária se tratasse no seu movimento de translação. A evasão que não se concretiza e me conduz ao lugar de onde afinal nunca parti, é como se tivesse percorrido na sua plenitude todos os anéis de Saturno e as nebulosas de Urano e nunca tivéssemos chegado a Plutão, pois não cheguei a descolar rumo ao desconhecido.
Todos estes lugares são elevados ao mesmo expoente e por isso todos eles são iguais. E a consciência dessa igualdade angustia.

Thursday, November 18, 2004 

"Agora conheço em parte; mas, depois, conhecerei como sou conhecido"...

Construo por cada palavra a proximidade que nego entre mim e quem me revela. Antes que o tempo se extinga e arraste consigo as palavras que nunca cheguei a dizer, anuncia-se a resposta a Jade.

Nunca quis trazer comigo quem invade o meu monólogo de desconhecidos, apenas me inquieta quem se reveste da mais serena revelação, aquela a que sempre renunciei.
Eu sou quem selou o cripto-pórtico onde deixei esquecido o passado que não conquistei por todas as cruzadas vãs. Eu sou o detentor da ampulheta onde o tempo se conta por todos os pretéritos que jamais foram meus, devido à sua perfeita e mais que perfeita passagem de todo imperfeita.
Eu sou todo aquele mundo oculto por onde caminho para todo o lado e para lado algum, esse é o mundo do qual deixo que conheçam uma rua, aquela rua que radica na sua intrínseca redundância e que em si mesma principia e em si mesma termina.


A Jade tornam as palavras que ao serem interpretadas deixam de me pertencer. Em mim encontrar-se-á a ausência das palavras.

Sunday, November 14, 2004 

De cinza todos nascemos, à cinza acabamos por retornar...

Rasguei os fragmentos de todas as acções inacabadas na ilusão de conhecer a solução unificada das inequações que quis resolver.
Destruí as ante-câmaras dos segredos, quebrei o selo e profanei o culto maçónico prestado ao sarcófago onde se encerram sentimentos.
Neguei de todas as filosofias a minha filosofia. Concedi à filosofia uma nova face e outorguei-lhe um novo carácter, aquele que em mim não tem lugar.
Abandonei o caminho das palavras, revi as coordenadas do lugar onde me deixei e tomei o cálice holístico da realidade indivisível.
Convoquei em mim a transcendência de tudo isto e como de mim sobejo, tudo isto entreguei ao mar, ao fogo e ao vento.
Só em cinza me voltei a encontrar.

Saturday, November 06, 2004 

Aqui onde vejo construir o que de nada se constrói...

Construam-se templos helénicos em mármores cinzelados de saudade erigidos sobre colunas românticas de lajes graníticas onde deixamos gravados sentimentos.
Edifiquem-se abóbadas celestiais onde se inscrevam todos os traços dissonantes do infinito e se encontrem as elipses concêntricas das metáforas dissolventes e dos aforismos de todas as palavras não proferidas.
Ergam-se mosteiros de reclusão onde a minha dor não é apenas um convento mas a sucessão clerical do sofrimento pleonástico.
Levantem-se faróis e naveguem as naus das descobertas na sinédoque marítima do sentir conducente à antitética negação de não-pensar, estando a pensar.
Arquitectem-se pórticos e palcos de teatros para através das máscaras, anunciarmos todas as verdades que queremos tornar credíveis.
Que sejam terminadas todas estas construções imperfeitas e incompletas. Destruam-se todas as construções frágeis e anuncie-se a chegada de todas as existências que em nós congregamos por cada hora que em nós se extingue.



Monday, November 01, 2004 

Encenação da felicidade e invulgaridade dos improvisos...

A resposta de Jade chegou quando lá fora e neste dia se encenava a peça da felicidade...neste palco onde os actores são sombras inconstantes que nada significam.

Perguntaste-me quem sou...questiono-me porque razão o perguntas. Será que apenas queres que converter o teu monólogo num diálogo de desconhecidos?
Devolvo-te a tua pergunta e endereço-te um desafio. Responde se fores capaz...
"E se adormecesses? E se, no teu sonho sonhasses? E se, no teu sonho, subisses aos céus e ali colhesses uma estanha e bela flor? E ainda se, ao acordares, tivesses a flor na tua mão. Ah, como seria, então?"
Coleridge
Para me conhecer terei que decifrar o enigma da esfinge que criei por todos os medos que temo enfrentar. Eu sou quem guarda a flor sem saber sequer o que sinto porque sinto como os outros me ensinaram a sentir.

Instala-se a confusão em mim como se algum actor tivesse desrespeitado o guião e tivesse pronunciado a deixa errada. Agora assola-me o terror do improviso.

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